26 NOVEMBRO // RECREIO DOS ARTISTAS // 14H30, 18H30, 21H30

"CAVALO DINHEIRO" DE PEDRO COSTA
14H30



Cavalo Dinheiro: A Voz dos Perdedores
 
‘Cavalo Dinheiro’ é mais um regresso ao naturalismo documentalista de No Quarto de Vanda, novamente com Ventura, um dos últimos imigrantes cabo-verdianos e o maior dos sobreviventes do extinto Bairro da Fontainhas, numa espécie de continuação da alma errante de ‘Juventude em Marcha’. 
 
‘Cavalo Dinheiro’ é mais um retorno na carreira do notável realizador português aos ‘fantasmas’ das Fontainhas. Isto não significa que Costa tenha feito uma mera reciclagem de imagens ou tenha perdido a sua capacidade criativa. Neste seu novo filme — que teve estreia mundial no Festival de Locarno 2014, onde ganhou a Melhor Realização — Costa como que reconstruiu, um por um, alguns dos planos mais bonitos, fascinantes e inebriantes do cinema português da atualidade. Planos esses que na sua maioria são fixos, embora surjam alguns escassos e virtuosos movimentos de câmara.
 
Entre o 25 de Abril de 1974 e a atualidade ‘Cavalo Dinheiro’ é um vai e vem no tempo e na memória. Sem demasiada justificação nem preocupação por encontrar uma coerência narrativa e temporal, o filme vai abordando elementos históricos e sobretudo a dura existência dos nascidos em Cabo Verde, que imigraram para Portugal depois da Revolução. No centro da cena está a figura errante, decadente (e já bastante doente) de Ventura, que passa uma boa parte do filme dentro de um sórdido e semivazio hospital de Lisboa. Com as suas mãos enrugadas e calejadas e o seu olhar ainda intenso, Ventura vai enfrentando os seus fantasmas pessoais e a sua decadência física e mental. Ventura que acaba por se perder num bosque, enquanto os seus amigos do bairro o procuram incessantemente.

Pedro Costa construiu como que uma espécie de filme-homenagem a Ventura, em tom de ode final e elegia definitiva ao último sobrevivente das memórias das Fontainhas. ‘Cavalo Dinheiro’ é um filme melancólico e poético, — com poucos diálogos, estes mais sussurrados que ditos — que assenta sobretudo, além de um poderoso argumento sobre a velhice e solidão, no poder evocativo das suas imagens. A banda-sonora é soberba, principalmente composta de canções da banda cabo-verdiana Os Tubarões, que na verdade são mais os lamentos dos que continuam a viver num mundo à parte em Portugal, a voz dos marginais do país apesar de tudo — para o bem e para o mal — ainda mais marginal da Europa. ‘Cavalo Dinheiro’ é uma singela homenagem e uma merecida reivindicação artística que dá voz aos perdedores do sistema e da sociedade portuguesa.
 
FESTIVAIS
2014
Festival de Locarno, Suíça - Leopardo Melhor Realizador Festival do Rio de Janeiro, Brasil
Festival de Vancouver, Canadá
Festival de Toronto, Canadá
Festival de Nova Iorque, EUA
St. Petersbourg Media Forum, Rússia
Festival de Valdivia, Chile
(entre muitos outros)

PEDRO COSTA
Nasceu em Lisboa a 3 de Março de 1959. É filho do famoso jornalista e realizador de televisão Luís Filipe Costa. Pedro Costa caracteriza-se por ser um cineasta inovador, que recorre sobretudo ao uso de câmaras ligeiras de vídeo digital para filmar as suas obras únicas no cinema português. É uma espécie de herdeiro das experiências em 16 mm no documentário pelos seus colegas do cinema novo português da década de 60, usando as técnicas do cinema direto.

A obra de Pedro Costa segue a tradição lançada em Portugal por Manoel de Oliveira e António Campos, a do cinema inspirado no conceito de antropologia visual, tradição essa amplamente explorada por cineastas como António Reis ou Ricardo Costa, usando também como ferramenta a ‘docuficção’. Pertencente à geração de cineastas surgidos nos anos 90, Pedro Costa abandonou o Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e ingressou na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Iniciou a sua actividade cinematográfica como assistente de realização de Jorge Silva Melo e João Botelho.

Como realizador foi uma verdadeira revelação no cinema português com O Sangue (1989), Casa da Lava (1994), Os Ossos (1997), seguem-se ‘No Quarto da Vanda’, filme que lhe valeu o Prémio France Culture para o Cineasta Estrangeiro do Ano, no Festival de Cannes em 2002 e o início de uma saga à volta do entretanto extinto, problemático e multicultural Bairro das Fontainhas, na periferia de Lisboa. Em 2010 foi feita uma retrospetiva sobre a obra deste realizador na Cinemateca Francesa, que é um dos portugueses mais reconhecidos internacionalmente. Entre os muitos prémios recebeu o de Melhor Realizador com o seu filme ‘Cavalo Dinheiro’, no Festival de Locarno 2014.






"MONTANHA" DE JOÃO SALAVIZA
18H30
 
 

Montanha

Elogiado pela crítica, premiado em vários festivais internacionais por esse mundo fora, chega agora às salas ‘Montanha’, a primeira longa-metragem do jovem realizador português João Salaviza, uma poderosa história da adolescência, que conta a história de um miúdo de bairro e das suas ‘dores’ de crescimento.

Depois dos importantes prémios em Cannes e Berlim pelas suas curtas ‘Rafa’ e ‘Arena’, João Salaviza lança agora numa versão ‘long-play’ a sua primeira longa-metragem ‘Montanha’, mais uma história da adolescência que conta a história de David (Mourato), um puto de 14 anos, desiludido e perdido numa Lisboa geométrica e vazia, entre o bairro dos Olivais, a linha do comboio, a escola e as instituições, a morte e a desilusão de um primeiro amor.

David vive com o avô que adoece gravemente. À primeira vista o seu comportamento parece mais adulto do que o de qualquer rapaz da sua idade. A mãe (Maria João Pinho) é obrigada a regressar de Londres com Ema, a lha mais nova e irmã de David, para dar conta do estado de saúde do pai que está hospitalizado. No segundo dia de espera, David torna-se mais ansioso e procura a companhia do seu amigo Rafa (Rodrigo Perdigão). Ambos decidem roubar uma scooter e ‘abrir’ com a moto pelas ruas dos Olivais, a falarem de um suicídio e partilharem a companhia (e os afetos) de Paulinha (Cheyenne Domingues). A miúda trata de criar ciúmes entre os dois amigos, leva-os a lutarem e a pegarem fogo à moto. Mas depois fazem as pazes, saem à noite para beber uns copos e, regressados, se enrolarem na cama os três a ver um filme.

’Montanha’ é um filme que vive sobretudo de profundos sentimentos, das ilusões e desilusões de David, um miúdo rebelde e ao mesmo tempo frágil e meigo que, apesar de ter sido obrigado a crescer, continua à procura de uma infância perdida. Ele vive intensamente as angústias da adolescência e a perspetiva de um futuro inexistente, num Portugal sem tempo, com traços de agora. O filme é um puro retrato social, que nada tem a ver com aquele estilo que já se tornou aberrante da câmara à mão que segue os protagonistas, como nos filmes americanos sobre adolescentes. Pelo contrário é filmado num estilo clássico, com planos fixos e sem grandes movimentos de câmara, com a luz e a fotografia (do Vasco Viana) a romperem mesmo com o naturalismo. As imagens difusas por vezes expressam antes as complexas emoções dos jovens personagens, marcados pela angústia e incerteza, partindo da quase escuridão dos apartamentos, para as ruas claras e vazias dos prédios geométricos dos Olivais.

A interpretação de David Mourato é brilhante e até comovente, como aliás de todos os atores, sempre muito apoiados pela direcção e maturidade autoral de João Salaviza, que consegue, sem sair da sua linha de intervenção, dar grande margem para a improvisação: os atores levam muito de si próprios para a construção da narrativa e diálogos do filme. Uma pequena obra-prima do cinema português, que recupera os elementos das curtas anteriores do realizador, o que é excelente e vem reforçar a vocação autoral de João Salaviza. ‘Montanha’, a primeira-longa metragem de João Salaviza, foi estreada na Semana da Crítica de Veneza 2015, curiosamente na mesma secção onde Pedro Costa estreou o notável ‘O Sangue’ (1990). Aliás, segundo Salaviza, foi um filme que esteve sempre presente na rodagem de ‘Montanha’.

FESTIVAISFestival de Veneza - Semana da Crítica

Festival de San Sebastian - Zabaltegui

Festival Manaki Brothers – Prémio Melhor Fotografia
Corto Circuito Compostela

Festival de Montpellier

Festival de São Paulo


JOÃO SALAVIZA

Lisboa, 1984. Formou-se na ESTC Escola Nacional de Teatro e Cinema (Lisboa) e na Universidad del Cine (Buenos Aires). Em 2009, conquistou a Palma de Ouro para curta metragem no Festival de Cannes com ARENA, depois do prémio de Melhor Curta Portuguesa no IndieLisboa, e participa em mais de 50 festivais (Tribeca, Roterdão, Londres, Gijón, Pusan, Tampere, Angers, Rio de Janeiro, São Paulo. Os seus filmes são CERRO NEGRO (estreia mundial no Festival de Roterdão 2012) e STROKKUR (Belfort, Gijón, Rencontres Internationales Paris/Berlin/Madrid, Festival de Cinema Luso-Brasileiro, Oslo Screen Festival and Solar Cinematic Art Gallery). Realizou ainda CASA NA COMPORTA (2010) presente na Venice Biennale integrando a exibição nacional de arquitetura portuguesa; e HOTEL MÜLLER (2010) sobre o trabalho de Pina Bausch. Em 2004 realizou DUAS PESSOAS, filme de escola premiado no Festival Karlovy Vary e no Festival Curtas Metragens de Vila do Conde. Em 2012, o Centre Pompidou em Paris exibiu quatro dos seus filmes no Festival Hors Pistes. A curta-metragem RAFA (2012) conquista o Urso de Ouro para curta-metragem no Festival de Berlim em 2013. MONTANHA foi a estreia na longa-metragem deste jovem realizador que pode estar muito próximo de uma raiz quase mitológica no cinema português.






"O MEDO À ESPREITA" DE MARTA PESSOA
21H30




O Medo à Espreita: Memórias da PIDE

O documentário, estreado curiosamente no Dia da Liberdade, em pleno IndieLisboa 2015, é um belíssimo filme de memórias secretas que cruza depoimentos de pessoas que foram vigiadas, interrogadas e, em alguns casos, torturadas pela PIDE, a polícia política da ditadura, com relatos de informadores e fotografias de época.

Depois de ‘Lisboa Domiciliária’, estreado comercialmente nas salas nacionais em 2009, a jovem realizadora Marta Pessoa filmou agora, em ‘O Medo à Espreita’, outras memórias secretas: a dos cidadãos que viveram, até à queda do Estado Novo, uma vida de perseguição pessoal e política.
Uma das piores faces da ditadura antes do 25 de Abril era a denúncia e, ao logo de 40 anos, o sistema de repressão política foi alimentado e movia-se no dia a dia por passos secretos, informações ocultas e perseguições a pessoas suspeitas de viverem contra o regime. ‘O Medo à Espreita’ é o retrato dessas pessoas que viveram diariamente debaixo da sombra dos informadores da PIDE/DGS e da tortura da polícia secreta.

Em Portugal, ao longo de quase meio século, a PIDE/DGS foi de facto uma máquina atemorizadora que alimentou o poder do Estado Novo de Salazar/Caetano. E a par dos quadros de inspetores e agentes efetivos da organização, a polícia política recorria aos serviços dos ‘informadores’. Eram cidadãos comuns tornados delatores, que se diluíam nas empresas, escolas, universidades, bairros e instituições com o intuito de vigiar para denunciar. Os informadores da PIDE, ‘os bufos’, tornaram-se  figuras quase omnipresentes na vida dos portugueses. Entre denúncias e denunciados, ‘O Medo à Espreita’ constrói precisamente essa memória do medo e de um país onde viver era viver vigiado, sobre o ambiente de repressão do Estado Novo.

‘O Medo à Espreita’, mais do que um filme sobre tortura, prisão ou sobre a PIDE,
é essencialmente uma reflexão e um olhar sobre o passado, a partir da atualidade, pois nas nossas sociedades democráticas parecem estar a surgir aos poucos e sem se dar por isso uma mesma sensação de medo e certos sinais subreptícios de incentivo à denúncia. E assim ‘O Medo à Espreita’ é igualmente um extraordinário retrato de um país e da democracia, onde o instrumento da denúncia cresceu, muito para além dos círculos políticos, para se instalar sorrateiramente no nosso quotidiano, por exemplo no mundo do trabalho e empresas. Se fazes ondas vais para o desemprego!
 

MARTA PESSOA

Nasceu em Lisboa, em 1974. Fez o curso de Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e na Universidade Nova de Lisboa, nas áreas de Realização e Imagem. Desde então tem trabalhado como Realizadora, Diretora de Fotografia e Produtora em  filmes de documentário e de  ficção.

FILMOGRAFIA
BEIJAR O SENHOR (Documentário, 12’, 16mm, 1998) – co-realização com Rita Palma
NICOLAU – ESTÓRIA DUM PINGUIM (Documentário, 24’, Betacam SP, 1999) – co-realização com Rita Palma
DIA DE FEIRA ( Ficção, 28’, Betacam SP, 2004)
ALGUÉM OLHARÁ POR TI (Ficção, 14’, 35mm, 2005)
SOBRE AZUL (Documentário, 40’, Betacam Digital, 2005)
MANUAL DO SENTIMENTO DOMÉSTICO (Ficção, 25’, Betacam Digital, 2007)
LISBOA DOMICILIÁIA (Documentário, 92’, Betacam Digital, 2009)
QUEM VAI À GUERRA (Documentário, 120’, HD, 2011)
O MEDO À ESPREITA (Longa Metragem Documental)
BOLOR NEGRO (Curta Metragem de Ficção – em Pré-Produção)

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