Paula Rego, Histórias e Segredos
O CINEMA DA MINHA VIDA
PAULA REGO, HISTÓRIAS & SEGREDOS
de NICK WILLING
Paula Rego nasceu em 1935, em Lisboa, e foi estudar para Londres, nos inícios da década de 1950, onde conheceu Victor Willing, com quem teve três filhos. Entre essa época e a década de 1970 viveu intermitentemente em Portugal e no Reino Unido, fixando-se, a partir de 1976, definitivamente em Londres. Os quadros dessa época devem muito às histórias para crianças e aos contos infantis. Nos anos 80 a sua pintura sofre uma grande inflexão, assumindo um carácter mais narrativo e mais expressivo, tornando-a uma das grandes pintoras do nosso tempo e um dos nomes mais cotados da arte contemporânea. E é esta mulher e mãe que fala para a câmara, com o despojamento de quem viveu muito. Fá-lo com uma franqueza desarmante, por vezes mesmo incómoda, como pode acontecer quando se fala em família, no que é precisamente uma marca deste documentário, ser feito dentro da família, tendo por interlocutor e primeiro destinatário o mais novo dos filhos, que é, ao mesmo tempo, o realizador e regista o testemunho da mãe, revelando algo que, de outro modo, nunca seria público. O que distingue também este documentário de qualquer outro sobre a artista (e dos filmes comuns sobre os artistas) é a perplexidade do filho que, logo no início, confessa ter ficado surpreendido com a disponibilidade de Paula Rego para falar de muitas memórias, dando a conhecer detalhes íntimos da sua vida, enquanto mulher, enquanto artista, enquanto pessoa. “Paula Rego, Histórias & Segredos” revela, pois, uma voz singularmente extraordinária, com uma visão e um traço que encontra o grotesco no quotidiano sem lhe retirar a humanidade.
Paula Rego conta tudo ao filho. Por exemplo, como se dava melhor com o pai do que com a mãe; como foi ele que a incentivou a deixar o Portugal do antigo regime, que detestava e não julgava salubre para as mulheres, e partir para Inglaterra, para estudar na Slade School; a forma insólita e crua como conheceu o marido, Victor (também pintor), e o seu complicado casamento; os casos extraconjugais que ambos tiveram; os abortos que fez; os anos de dificuldades, que levaram à venda da paradisíaca quinta familiar da Ericeira; a longa doença e a morte de Victor e como isso marcou a sua criatividade; o reconhecimento tardio do seu talento; a depressão de que sofre desde nova e que afetou a vida familiar e a relação com os filhos; a vocação narrativa e a dimensão fantástica da sua pintura, com quadros que evocam, fixam e contam, de forma codificada, histórias pessoais e biográficas, muitas delas baseadas em memória de infância e tantas profundamente dolorosas, mascaradas de histórias conhecidas, em algo que se diria catártico.
A par disso, este documentário escancara as portas ao estúdio londrino da pintora, mostrando-a em ação, descobrindo os adereços e bonecos que faz com a sua modelo e assistente informal, Lila Nunes, ou que saem das mãos das netas e de um dos genros, também artista. E está pontuado pelos “home movies” feitos por Nick Willing e pelo avô, que levaram o neto a ser cineasta.
Para os filhos, Paula Rego, sempre foi um enigma enquanto mãe e artista. Para se aproximar desse enigma Nick Willing resolveu fazer o documentário que agora se exibe, “Paula Rego, Histórias & Segredos”. Um filme que aproximou uma mãe e um filho e que possui, portanto, um forte valor documental, cultural e afetivo, traçando um retrato poderoso e singular de uma artista e de uma mulher que ficamos a conhecer melhor nessa dupla dimensão, permitindo ao espetador sentir o quanto estamos em presença de uma artista cuja obra pictórica está fortemente carregada de vibrações e é imensamente genuína e humana, com tudo o que humano tem de grandioso e de terrível.
Este filme será exibido pelo Cine-Clube da Ilha Terceira no dia 4 de Novembro, pelas 18 horas, na sala de cinema da Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio dos Artistas, em Angra do Heroísmo, no âmbito do projeto “o Cinema da Minha Vida”.
TEXTO: CARLOS BESSA
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